Ouvi da minha manicure:
“Flavia, você gosta de ler e escrever, gosta de música, faz colares e brincos com as suas mãos, você joga tarô, vai à Missa, sabe como imagino a sua casa?”
Respirei fundo… Ela continuou:
“Você deve morar numa tenda de seda, com cristais pendurados, cheia de plantas. A sua casa deve ter incenso de alfazema, deve ser cheia de quadros e livros. Com certeza tem uma mandala, ou outra coisa mística pendurada na parede. Você acende velas… E você ouve música quando vai cozinhar, né? Você tem cachorro, né, eu jurava que era um gato. E santo, você tem muito santo pela casa”.
Fiquei profundamente emocionada, e voltei-me para a questão da casa com personalidade, um tema que sempre me acompanhou.
A manicure nunca entrou na minha casa, entretanto, ela me conhece há algum tempo, e sabe um pouco dos meus gostos e afazeres. Ao descrever com exatidão, exceto pela tenda de seda, o meu jeito de morar, não apenas me chamou a atenção o quanto ela é observadora, mas também o quanto a minha casa reflete a minha personalidade.
Eu já escrevi muito sobre isso no blogue Casinha Bonitinha, contudo, a expressão minuciosa da manicure sobre a minha casa me surpreendeu. Cada pessoa tem seu jeito de morar (expressão que inventei e adoro), mas o que seria morar? Que elementos o definem?
Morar vai muito além de habitar um espaço. Morar é sentir-se pertencente a um lugar, perceber que somos felizes ali, que estamos seguros, que o ambiente nos faz bem e que preenche as nossas necessidades. E essas necessidades não são iguais para todos.
Uma família que se reúne para ver tevê precisa de uma sala com tevê. A minha sala não tem tevê. Eu moro sozinha, quase não vejo tevê, e, quando assisto a alguma coisa, é no meu quarto. Para mim, a sala, a enorme cozinha e a varanda são espaços de receber as pessoas e conversar. Esse é o meu jeito de morar. Muitas pessoas transformam varandas de apartamentos em “home office”, pois precisam de um cantinho para trabalhar e não há como dispor desse ambiente em outros cômodos da casa.
O jeito de cada um morar é muito particular, bastante subjetivo, e não se restringe à disposição de ambientes e móveis. Está relacionado à familiaridade com a casa, à intimidade com ela. Eu cuido da minha casa? Ela cuida de mim, acolhendo-me, quando chego da rua? Ela revela particularidades minhas? Eu escolho quem entra na minha casa, quem tem acesso à minha privacidade?
Já ouvi de alguns amigos próximos que a minha casa tem uma energia positiva, uma “vibe” de paz; já ouvi até “sua casa é boa pra dormir”, o que muito me honra, pois nós só dormimos bem quando estamos seguros. Eu realmente sinto que pertenço a esta casa de onde escrevo agora. E essa sensação de pertencimento vem, certamente, do fato de ela ter a minha cara, revelar as minhas idiossincrasias, e toda a minha construção como ser humano. A decoração tem um papel essencial nesse processo; quadros, livros, discos, plantas, xícaras, “toy art”, revistas, mobília ou a nossa cor favorita na parede podem ajudar a construir esse pertencimento.
Uma casa não precisa ser luxuosa, ela precisa ser amada, cuidada, mimada de vez em quando. É uma delícia ter para onde voltar, chegar e não querer mais sair.